31 de março de 2010

'O perigo da história única', Chimamanda Adichie

Contadora de histórias. É como a nigeriana Chimamanda Adichie, de 33 anos, se define. Faltaria acrescentar: uma “excelente” contadora de histórias… Autora de Purple Hibiscus (2003) e de Meio Sol Amarelo, romance este vencedor do Orange Prize 2007, ela está com uma palestra sua circulando em vídeo na web, “O perigo da história única”, dada em Oxford, Inglaterra, no ano passado. Simplesmente obrigatória!

Articulada, de humor requintado, inteligente e, de quebra, linda (e ponha ‘linda’ nisso!), Chimamanda fala sobre as implicações e riscos de se assimilar ‘histórias únicas’ de pessoas, fatos ou países – que superficializam, reduzem e, pela diferença, excluem o outro. Com isso define poder, na estrutura do mundo: “poder, mais do que a capacidade de contar a história de uma outra pessoa, é o de fazer essa história a história definitiva daquela pessoa”.

Mas o bom mesmo é escutar essa brilhante e bela contadora de histórias. Afinal, “histórias importam. Muitas histórias importam”!



Dicas
. Meio Sol Amarelo : 504p., trad.: Beth Vieira, Cia. das Letras, 2008, R$ 59,00
. Transcrição integral em português de “O perigo da história única”:
http://www.novae.inf.br/site/modules.php?name=Conteudo&pid=563

Indicação da biblioteconomista e jornalista Dina Uliana, a quem muito agradecemos!

29 de março de 2010

A edição é (mesmo) o livro


A revista Veja desta semana traz uma matéria sobre o universo editorial e suportes tecnológicos que nele gravitam, cujo ótimo título consegue, com particular felicidade, captar a essência do que aborda: “A edição é o livro”!

Ao tratar da chegada do iPad, a combinação de notebook com leitor digital (e-reader) que a Apple lança em abril, o texto envereda pela discussão desses novos suportes eletrônicos como “opção à relação secular mantida pelo homem com os livros impressos”. E vêm as questões: a impressão física estaria em extinção? Qual o impacto dessas novas tecnologias no suporte impresso?

Naturalmente essa não é a primeira mudança no mercado de livros, mas, neste caso, o processo se dá de modo acelerado, como cada vez mais têm sido o ritmo das transformações tecnológicas. Em tal abordagem, Veja entrevista Juergen Boos, que, com 26 anos de experiência no mercado editorial, é o atual diretor da Feira de Frankfurt.

A percepção de Boos é clara: de certo, os dispositivos eletrônicos móveis e compactos vão atrair um novo tipo de leitor. Mas a proposta dos livros digitais é diferente da dos livros físicos, que continuarão a existir. Para ele, com a maior quantidade de conteúdo oriunda de meios diferentes, haverá outras plataformas para a leitura distintas da forma impressa, cabendo a editoras e livrarias também migrarem seus negócios para a área digital.

Contudo, a essência reside no oferecimento de serviços de alta qualidade. “Qualidade é algo que ainda falta na internet”, afirma Boos.“Quanto mais formas de acesso ao conteúdo, maior a necessidade de ter instâncias que filtrem esse material e assegurem ao leitor a qualidade do que está sendo produzido. Esse já é o papel atual das editoras e continuará sendo por muito tempo.” Eco! O livro é mesmo sua edição.

A chave está no fato da leitura significar mais do que simples obtenção de informação: “representa a essência da alfabetização em seu significado amplo”, pondera Boos. “Ou seja, a possibilidade de não apenas ler as palavras impressas no papel, mas entender o contexto, aprofundar-se nele, refletir e formar uma opinião. Os livros impressos exigem mais, intelectualmente, dos leitores.”

Os inúmeros canais de expressão da web veicularão muito mais autores, muitos deles amadores, que necessitarão de atenção especial das editoras. “É preciso assegurar a confiabilidade daquilo que se lê” – conclui Boos. “Caberá às editoras identificar esses talentos (...). Mas isso não prescinde de um forte exercício de editoração.”

Essa, por sinal, será a grande discussão do 1º Congresso Internacional do Livro Digital, em São Paulo (29 a 31/mar.), promovido pela Câmara Brasileira do Livro e a Imprensa Oficial, do qual participará Juergen Boos.

Foto: Jac©Edit

25 de março de 2010

Demétrio Magnoli e Cremilda Medina discutem acesso à informação na AL

O tema da abertura do seminário (veja a matéria anterior deste blog) iniciado ontem (24/março), no Memorial da América Latina, em São Paulo – “Retrospectiva, atualidade e projeção do direito à informação na América Latina” – teve como expositor o geógrafo Demétrio Magnoli e a coordenação da professora Cremilda Medina (ECA/USP).

Para dar ao público um panorama de como as sociedades latino-americanas estão vivendo a “nova ordem da informação”, Magnoli começou listando o caso recente de Cuba, onde o bloqueio oficial à imprensa livre é furado pela internet, por meio das redes sociais, twitter e blogs. Aqui, segundo ele, está a diferença com a década de 1970, quando 95% da informação internacional eram difundidos por agências de notícias norte-americanas e européias, e apenas 5% tinham origem “independente”.

Embora a situação tenha melhorado, a liberdade de imprensa ainda enfrenta ameaças no continente latino-americano. E, segundo Magnoli, o Brasil também está nessa lista, quando setores políticos falam em “conspiração da imprensa golpista”, tese lançada nos tempos do mensalão por intelectuais ligados ao PT. Para o geógrafo, o propalado “controle social da mídia” é outro sintoma desse perigo, assim como o Plano Nacional dos Direitos Humanos divulgado recentemente, que, de acordo com Magnoli, sugere a necessidade de “se fazer um acompanhamento editorial da imprensa”.

Outros convidados, com destaque para o especialista venezuelano em ciências da comunicação Adrián Padilla e o jornalista argentino Dario Pignotti, falaram da realidade atual e das leis de informação e difusão em seus países.

Veja a cobertura integral do debate em: http://www.memorial.sp.gov.br/memorial/AgendaDetalhe.do;jsessionid=02C89397F491BBB10E8892EE857C340C?agendaId=1636

23 de março de 2010

Liberdade de Expressão e Direito à Informação

Nos próximos 24 e 25 de março, a Fundação Memorial da América Latina, em São Paulo, sediará o colóquio Liberdade de Expressão/Direito à Informação nas Sociedades Contemporâneas da América Latina. O evento é coordenado pela professora Cremilda Medina (ECA/USP) e integra o Novo Pacto da Ciência, promovido pela Cátedra Unesco.

A seguir, reproduzo trecho do texto de argumentação do seminário, assinado pela professora (confira a versão integral em: http://www.memorial.sp.gov.br/memorial/RssNoticiaDetalhe.do?noticiaId=1694).

“Os prognósticos acadêmicos e técnicos anunciavam, no mundo globalizado, a ausência de cerceamentos na fluidez democrática das infovias, das mídias impressas e eletrônicas, fenômenos inéditos na história da comunicação social.

Aconteceu isso? Este seminário vai avaliar os cenários contemporâneos da América Latina, numa reflexão que se faz necessária perante dúvidas que afloram nos países que, ao se pronunciarem democráticos, ameaçam o exercício do direito à informação com políticas comunicacionais restritivas ou mesmo atos censórios.”


Os debates prometem esquentar com a participação de jornalistas e intelectuais, com destaque para Alberto Dines, Eugênio Bucci, Adrián Padilla e Demétrio Magnoli. As inscrições são gratuitas e por ordem de chegada. No site do Memorial, é possível baixar o formulário de inscrição.

Veja a programação:
24/março, 4.a feira América Latina "Retrospectiva, atualidade e projeção do Direito à Informação na América Hispânica"

9h Conferência inaugural “Panorama nas sociedades latino-americanas – da vocalização da Nova Ordem da Informação à doutrina contemporânea do terror mediático”
Conferencista: Prof. Dr. Demétrio Magnoli
Coordenação: Profa. Dra. Cremilda Medina

11h às 12h Debate
Conferências - Coordenação: Profa. Dra. Cremilda Medina

14h30 “Sociedades hispano-americanas na Era Digital”
Conferencista: Prof. Dr. Pedro Ortiz

16h “O caso venezuelano, embate governo e mídias privadas”
Conferencista: Prof. Dr. Adrián Padilla

17h30 “Sociedades hispano-americanas, políticas de Estado e o caso argentino”
Conferencista: Dr. Dario Pignotti

25/março, 5.a feira Trajetória brasileira “Da censura às atuais regulações da informação de atualidade”

9h Conferência “Autoria e assinatura coletiva na comunicação social. O projeto de formação universitária”
Conferencista: Profa. Dra. Cremilda Medina
Coordenação: Prof. Dr. Pedro Ortiz

11h às 12h Debate
Conferências – Coordenação: Profa. Dra. Cremilda Medina

14h30 “Censura e Democracia: o caso Estado de S.Paulo”
Conferencista : Jornalista José Maria Mayrink

16h “Da censura à imprensa ao lobby da mídia. Um percurso latino-americano”
Conferencista: Jornalista Alberto Dines

17h30 “Mídia privada, mídia pública e intervenções do Estado Brasileiro”
Conferencista: Prof. Dr. Eugênio Bucci

19h Encerramento

22 de março de 2010

Um tira-gosto de "Ilogic@mente"


O livro Ilogicamente. Poemas, de Newman Simões, já impresso, está aguardando os últimos detalhes para formalização de seu lançamento, tanto em Piracicaba como em São Paulo. Por enquanto, fica aqui um tira-gosto: um trecho de "palavras rompem o silêncio... e dançam":

I

com a pá, lavras a terra.
com palavras, a Terra.

a pele pálida do papel
pede palavras
versos
nunca idos
(s)idos
(l)idos
(t)idos
o arado
arando o árido
ar(i)do
prado
parado
esperando
por um acordo invisível
com a cor do aprazível

20 de março de 2010

Cremilda Medina comenta livro da Jacintha Editores

A professora Cremilda Medina (ECA/USP) comenta, em 18/mar./2010, o mais recente lançamento da Jacintha Editores – "O Outro Olho do Lampião”, de Artur Aymoré – e fala da atual necessidade de se publicar bons conteúdos a partir da pesquisa e investigação jornalística. Cremilda aposta também nos livros impressos, que, segundo ela, continuarão sendo por muito tempo o mais importante meio de registro de ideias.

Cremilda Medina fala sobre 'O Outro Olho de Lampião"

“Apesar de todas as tecnologias contemporâneas, o livro continua sendo o registro mais importante atualmente.” Esta foi uma das declarações da professora Cremilda Medina em depoimento gravado durante o lançamento de O Outro Olho de Lampião (18/mar., na livraria Martins Fontes, da Av. Paulista, em São Paulo). Enquanto o jornalista Artur Aymoré autografava o primeiro exemplar da noite, justamente para a professora da ECA/USP, orientadora do trabalho acadêmico que deu origem à publicação, Cremilda ressaltava a importância de se estar socializando o resultado dessa produção acadêmica, “tão original e tão bem escrita”. “Aqui nós temos o jornalista e o pesquisador, que consegue nos levar a esse mundo de Lampião”, afirmou ela. “Estamos com o coroamento de um trabalho de pesquisa, de autorira e originalidade.”
Confira na íntegra os depoimentos de Cremilda Medina e do jornalista Artur Aymoré postados neste blog.

Fotos Jac©Edit

17 de março de 2010

Livro lançado pela Jacintha repercute na grande imprensa

Furar o cerco das grandes rodas (sejam veículos de comunicação, editoras, elites intelectuais e financeiras etc. etc.) e conquistar um lugar ao sol neste país não é tarefa simples. Mas o trabalho criterioso (sem falsa "moléstia" mesmo!) da Jacintha na edição de seus títulos rende agora uma matéria que, esperamos, repercuta entre os nossos colegas jornalistas e, por meio deles, chegue ao público interessado no tema.

Refiro-me à resenha assinada pelo jornalista Alberto Dines, sobre o mais recente lançamento da Jacintha -- O Outro Olho de Lampião. A imprensa e o cangaceiro, de Artur Aymoré -- e publicada na seção "Armazém Literário" do site Observatório da Imprensa, n. 581, de 16/mar./10.

O próprio Dines faz a apresentação do livro, que, por sinal, será lançado na Livraria Martins Fontes da Av. Paulista, em São Paulo, amanhã (18/mar.), às 19h30, e agora comenta a obra nesse tradicional veículo destinado à observação crítica da mídia e acompanhado semanalmente por 27.490 leitores. Comemorem com a gente.

Mídia & Cangaço

Lampião sob o olho da imprensa
Por Alberto Dines

Qual a função do jornalista na sociedade democrática, fixar-se no que acaba de acontecer ou ir além para dar sentido ao que aconteceu?

O gaúcho Hipólito da Costa, o pai do jornalismo de língua portuguesa, já oferecia há 200 anos uma visão mais ampla do papel do jornal e do jornalista ao atribuir aos redatores das 'folhas públicas' outras funções além de servir de 'primeiro despertador' da sociedade. Munidos de uma crítica sã, escreveu Hipólito, devem representar os fatos do momento, as reflexões sobre o passado e as sólidas conjecturas sobre o futuro.

Sete décadas depois de morto, o pernambucano Virgulino Ferreira da Silva, o Lampião (1897-1938), é menos conhecido pelas novas gerações do que a canção Mulher Rendeira, tema da trilha sonora do longa-metragem de Lima Barreto que conquistou Cannes em 1953.

Observatório da Imprensa, Edição 581, 16/mar./10
www.observatoriodaimpresna.com.br

15 de março de 2010

Umberto Eco: ‘Eletrônicos duram 10 anos, livros, 5 séculos’

O jornal O Estado de São Paulo inaugurou cara nova neste fim de semana e a repaginação gráfica, agora realizada, rebate no editorial. Por exemplo, confere maior destaque às novas tecnologias da informação, como o reforço do portal do Estadão, onde foram ampliadas as ofertas de conteúdos em vídeos e áudio. Além disso, há links regulares das matérias impressas para o ambiente da web, no qual estas podem ser aprofundadas.

Interessante foi o recurso empregado no primeiro caderno de ontem (14/mar.), inaugurando a reforma: a primeira e a última páginas foram reproduzidas, como que ‘rebaixadas’ em sua impressão, a sugerir estarem sendo vistas sob uma transparência, na qual eram salientadas as modificações que o leitor passaria a ter contato e os novos recursos gráficos que elas proporcionam. Expediente bem engenhoso, que vale a pena conferir no exemplar impresso!

Na verdade, as mudanças começaram já no sábado (13/mar.), com a veiculação do novo e muito bem-vindo caderno ‘Sabático, Um tempo para a leitura’. Já com a cara nova que a edição dominical traria, publicou, entre outros textos interessantes, conto de Ronaldo Correia de Brito; comentário de Sérgio Augusto; matéria de Lúcia Guimarães sobre o positivo impacto que a crise econômica teve na gigantesca Biblioteca Pública de Nova York; texto delicioso de Daniel Piza sobre o ainda mais delicioso poeta Manoel de Barros; e um breve resgate do saudoso (para aqueles com mais idade...) ‘Suplemento Literário’, do mesmo Estadão, com a resenha de Antonio Candido de Grande Sertão: Veredas, da edição da então estreia desse suplemento (6/out./56).

Mas o destaque do ‘Sabático’ está na entrevista com o sempre imperdível Umberto Eco. Assinada por Ubiratan Brasil, ela parte do livro Não Contem com o Fim do Livro (Eco, J-P de Tonac & J-C Carrière, a ser lançado no Brasil pela Record), para discutir o velho amor pelas obras em papel desse ensaísta e escritor italiano. O também bibliófilo Eco, detentor de 50 mil títulos, é um claro defensor do suporte impresso: “O livro ainda é o meio mais fácil de transportar informação”.

É bem verdade que tal discussão Eco já travou anteriormente, como em ‘Muito além da internet’. Mas a graça dessa abordagem trazida no ‘Sabático’ está na maior informalidade que a entrevista proporciona, incluindo, neste caso, a ambientação que Ubiratan Brasil dá à conversa, conduzida no escritório-residência de Eco, em Milão: apartamento localizado defronte ao Castelo Sforzesco, em um andar onde antes existia um pequeno hotel. Hoje guarda, em seus enormes corredores, prateleiras repletas de livros e tem seus antigos quartos adaptados em escritórios, sala de jantar e estar, dormitórios...

Leia a íntegra da entrevista com Umberto Eco em
www.estadao.com.br/noticias/arteelazer,eletronicos-duram-10-anos-livros--5-seculos--diz-umberto-eco,523700,0.htm
Foto de Eco (sem sua característica barba): Andrea Barbiroli/AE

12 de março de 2010

Um céu de tirinhas para o Glauco


O cartunista Glauco, que há 30 anos ilustrava a Folha de S.Paulo com seus personagens inconfundíveis (Quem nunca riu do Geraldão que atire a primeira enceradeira!), foi assassinado ontem à noite, na casa de sua família, em Osasco. Estamos vibrando fervorosamente para que os anjos tenham lhe reservado um pedaço do ceú repleto de tirinhas bem-humoradas.

10 de março de 2010

O Outro Olho de Lampião

O jornalista Artur Aymoré mergulhou nos arquivos dos mais influentes jornais e revistas do Nordeste e do eixo Rio-São Paulo para analisar a cobertura e a leitura que a imprensa realizou, em 50 anos, da mais longa e épica de todas as revoltas sangrentas já surgidas no Brasil.

Considerado bandido pela imprensa brasileira no período, Lampião lutava por justiça social e contra um regime de opressão. Acabou lançando-se numa dimensão mítica, personificando o herói trágico. Nas quase duas décadas que durou sua luta, viu-se incansavelmente combatido e caçado pela Polícia Militar de sete Estados, tropas de elite do Exército e milícias mercenárias de latifundiários. A abordagem jornalística contribuiu para projetá-lo como o mais importante mito do Brasil moderno, em cujo processo construíram-se marcas em que a forma imaginária ultrapassou a história.

Com o arrebatamento que todo bom texto jornalístico oferece ao leitor, este ensaio mostra que, tanto durante a trajetória em vida quanto após a morte de Lampião, a leitura e interpretação da revolta do líder cangaceiro foram expressas de modo ambíguo, explicitamente manipuladas e excessivamente ficcionais. A imprensa utilizou-se de discurso monossêmico e autoritário, fantasiando a realidade e, muitas vezes, deturpando-a.

LANÇAMENTO
Data 18/mar./2010, quinta
Hora das 19h às 21h30
Local Livraria Martins Fontes – São Paulo/SP
Av. Paulista, 509 (estação Brigadeiro do Metrô)

Prefácio: ALBERTO DINES
192p.; 21 cm; R$ 38,00; ISBN 978-85-60677-09-2
Piracicaba: Jacintha Editores, 2010

8 de março de 2010

Capitu e Diadorim no Dia Internacional da Mulher

Neste Dia da Internacional, em que nós, mulheres, somos especialmente lembradas, reproduzo o bate-papo amigável de duas grandes amigas nossas, personagens inesquecíveis daquelas que talvez sejam as maiores obras-primas da literatura brasileira.

Uma delas é Capitu, criada por Machado de Assis para, em Dom Casmurro, protagonizar uma relação no mínimo dramática com o seu marido Bentinho, na segunda metade do século 19, no Rio de Janeiro, então capital da República do Brasil. A outra é a jovem jagunça Diadorim, de Grande Sertão Veredas, de autoria de Guimarães Rosa, que no final daquele mesmo século se traveste de Reinaldo para poder integrar as tropas de Juca Ramiro que vagam pelos “sertões das gerais”.

O texto, do jornalista Daniel Piza, foi publicado na íntegra no Estadão de ontem (6/3/2010, Caderno Cultura, p. D3) e interessa porque revela com humor a dura condição feminina nessa nossa sociedade regida por homens ao longo de toda a história.

Capitu – Sempre quis conhecê-la, Diadorim. Achava que você fosse mais alta, mais forte, sabia? Bobagem minha.
Diadorim – Nunca precisei ser alta e forte para enfrentar os homens. Eu é que não sabia que você era tão alta e forte.
Capitu – Hoje está meio fora de moda, né? No meu tempo, porém, não tinha um homem que não olhasse para mim nas ruas.
Diadorim – Moda não me importava, você sabe. Até que eu gostava de passar uns perfumes quando tomava banho de madrugada, longe das tropas. Mas você sempre foi chegada a esses salamaleques, joias, vestidos, bailes...
Capitu – Se nós duas não tivéssemos morrido tão jovens, você mais jovem ainda, eu ia levá-la para passear pela rua do Ouvidor e duvido que resistisse. Por sinal, que coincidência que a gente se conheça neste Dia da Mulher.
Diadorim – Ora, não vejo muito sentido nisso, não. Dia de mulher é todo dia; todo dia as mulheres de hoje precisam defender de novo os direitos que já são nossos há muito tempo. Esses cabras são fogo.
Capitu – É verdade. Eu mesma: até hoje, quando falam de mim,é como se eu fosse ou inocente ou traidora. Os homens só conseguem imaginar as mulheres de um jeito ou de outro. Virei uma charada mundial!
Diadorim – Minha situação não foi diferente. Agora, como você aguentava aquele marido? Eta homem frouxo, sô!
Capitu– É que o Bentinho era tão apaixonado por mim, e me prometia uma vida tão boa. Meu erro foi achar que eu ia controlar tudo, que ele ia amadurecer aos poucos. Mas ele era um eterno adolescente, tanto que precisou escrever um livro sobre si mesmo e ainda assim continuou sem se conhecer... De quebra só me pôs falando absurdos sobre “coincidências divinas”. Ele era o primeiro a acreditar nessas coisas!
Diadorim – Mas pelo menos a gente vê ali que era um covarde. No sertão, esse aí não durava nem dois dias.
Capitu – E olhe lá... Mas confesso que queria que tudo tivesse sido diferente. Tive de ser
“mais mulher do que ele era homem”, como ele mesmo reconheceu no livro.
Diadorim – E eu tive de ser menos mulher... Não tive escolha; meu dever era com meu pai, eu tinha de ser varão para que ele continuasse comandando tudo. Não fosse por isso, teria dito a Riobaldo quanto o amava também. Aquele sim era homem, viril e gentil, Tatarana na hora da guerra e quase um menino na hora em que ficava me olhando, quase um passarinho. “O sol entrado”, não é bonito isso?
Capitu – Bentinho não fica muito atrás: “Só os relógios do céu terão marcado esse tempo infinito e breve.” Você falando assim, parece que Riobaldo era uma mistura de Bentinho com Escobar, se bem que Escobar sabia ser doce quando queria... Mas você era sol e era lua também, como eu. Foi por isso que disse que nossa situação era parecida?
Diadorim – Foi. Tem gente por aí que acha que Riobaldo não era macho, porque ficou apaixonado por Reinaldo, não por Diadorim. Ele era, sim! É que era um homem mais sensível que aquela jagunçada tosca. Sabia ler, escrever, sabia admirar as coisas bonitas. Ele via Diadorim debaixo de Reinaldo.
Capitu – E ele sofreu muito, não sofreu? Bentinho não via nada porque não sabia ver. Mas imagino um jagunço sentindo atração por outro, sem saber que na verdade era uma mulher – e só sabendo depois que você morreu. “O diabo não existe, por isso é tão forte.”
Diadorim – Ou “Deus é o poeta, a música é de Satanás”... A nossa história é uma tragédia ainda maior que a sua. Ele não podia ver a verdade; eu não podia contá-la. Mas minha vida não teria sido nada sem ele. Quando li o livro, senti que ele pensava da mesma forma.
Capitu – A verdade é que a gente deixa os homens bem confusos. O problema deles é que demoram a perceber as diferenças. Depois se desiludem quando elas aparecem.
Diadorim – E nós percebemos muito rápido, e mesmo assim nos iludimos também. Foi bom aprender com eles a ser mais direta, a tomar iniciativa.
Capitu – Eu sempre tomei iniciativa. O problema é que tinha de fingir que não tomava. Minha vida toda tive de esconder o que sentia.
Diadorim – Eu também, nem preciso lembrar.
Capitu – Hoje não é muito diferente. Mas, sabe, sinto inveja dessas mulheres que podem trabalhar e votar e passar cantadas...
Diadorim – Melhorou muito, graças também a esses homens que escreveram nossa história. Como diz o meu, sertão é dentro da gente; mas talvez hoje existam mais veredas. Caminhar sempre dá trabalho.

5 de março de 2010

Jornalismo de revista: 'Le Monde' lança 'Le Mensuel'

'La creme du monde' é como vem sendo avaliada a revista mensal lançada em fevereiro pelo tradicional diário francês Le Monde. Le Mensuel oferece ao público, em língua francesa, o que de mais quente foi publicado nesse jornal a cada mês anterior. São as melhores reportagens, os mais interessantes perfis e os artigos mais bem recebidos pelo público, reproduzidos na íntegra.

Além do mais, tudo isso vem embrulhado para presente, com fotos coloridas e em preto e branco, pois, por se tratar de um veículo de periodicidade mensal, a ideia é valorizar as imagens, tanto em quantidade quanto na qualidade. O tamanho pequeno (23,5cm x 18,5cm) e o acabamento sofisticado fazem de Le Mensuel quase um livro, o que torna a leitura mais envolvente e facilita, aos leitores que não abrem mão de receber informações e opiniões em formato impresso, o arquivamento e coleção dos exemplares.

Segundo a jornalista Leneide Duarte-Plon, em artigo no Observatório da Imprensa (http://www.observatoriodaimprensa.com.br/artigos.asp?cod=579IMQ001), esse mensário deverá afirmar-se como uma nova mídia – destinada aos leitores que, pelos mais diversos motivos, não têm acesso diário à informação –, diferente do diário impresso, do semanário e da internet, mas que trará também a marca Le Monde, com a credibilidade dos correspondentes e de sua cobertura dos fatos no mundo todo.

Para um aperitivo de Le Mensuel:

3 de março de 2010

Ser jornalista é ir além da profissão

Recebi, de uma ex-aluna querida, hoje jornalista em Limeira/SP, esse “compêndio” um tanto sarcástico sobre o comportamento cotidiano dos jornalistas. Achei por bem reproduzi-lo. É rir. Pra não chorar.

Jornalista não fala – informa
Não passeia – viaja a trabalho
Não conversa – entrevista
Não é chato – é crítico
Não se confunde – perde a pauta
Não esquece de assinar – é anônimo
Não tem olheiras – tem marcas de guerra
Não faz lanche – almoça em horário incomum
Não se acha – ele já é reconhecido
Não influencia – forma opinião
Não conta história – reconstrói
Não omite fatos – edita-os
Não pensa em trabalho – vive o trabalho
Não vai à festas – faz cobertura
Não acha – tem opinião
Não fofoca – transmite informações inúteis
Não pára – pausa
Não mente – equivoca-se
Não chora – se emociona
Não some – trabalha em off
Não lê – busca informação
Não traz novidade – dá furo de reportagem
Não tem problema – tem situação
Não tem muitos amigos – tem muitos contatos
Não briga – debate
Não usa carro – mas sim veículo
Não é esquecido – é eternizado pela crítica
Jornalista não morre – coloca um ponto final
"

O texto, assinado por Tati Molini, só faltou repetir que jornalista, quando quer se suicidar, sobe no próprio ego.
Ilustração reproduzida de http://www.bancariosbahia.org.br/fotos/charges/3/IMAGEM_CHARGE_0.jpg

1 de março de 2010

Literatura, família e amor (ou rejeição)

Por falar em Zuenir Ventura, mais uma boa notícia sobre esse autor e também sobre o universo das revistas literárias. Zuenir dá uma canja do livro que está escrevendo sobre sua família na mais recente edição brasileira da revista Granta, que deve chegar às nossas livrarias em meados de março.

Impossível deixar de conhecer esta que é a mais importante revista literária da atualidade. Fundada, em 1889, por alunos da Universidade de Cambridge, na Inglaterra, e batizada de The Granta, em homenagem ao rio que banha a cidade, por suas páginas já passaram escritores do porte de Mário Vargas Lhosa, Susan Sontag e Arthur Miller. Nesta 5.a edição brasileira, o tema é a convivência familiar e as sensações de amor e rejeição provocadas pela inevitabilidade das relações de parentesco.

Além de Zuenir Ventura, com o conto “O segredo”, a revista traz, entre outros, o escritor turco Orhan Pamuck (Prêmio Nobel de Literatura e autor de Neve e O Livro Negro), com “Gente famosa”, e Ronaldo Correia de Brito (Prêmio Jabuti e autor de Faca e Galiléia), com “A bênção do pai”. A propósito, todos os títulos aqui citados, sem exceção, merecem ser apreciados.