‘Escândalos da República 1.2’ é a versão reduzida do inédito posfácio à segunda edição de Notícias do Planalto. A imprensa e Fernando Collor (Companhia das Letras, nov./99), tido como a mais relevante publicação brasileira na área do jornalismo político. No livro, Conti entrelaça a história da derrubada do primeiro presidente democraticamente eleito após a ditadura militar com as pouco edificantes histórias de pelo menos 17 órgãos de nossa imprensa. O posfácio, que chega a público no final deste mês na nova edição, mostra onde foi parar parte dos jornalistas que cobriram o impeachment de Collor e o que aconteceu com a imprensa desde então.
“Os jovens repórteres que expuseram o governo Fernando Collor não apuram mais notícias do Planalto. Cada qual teve razões particulares para isso”, afirma Conti na abertura do texto. “Mas o denominador comum dos que abandonaram a imprensa foi terem ido trabalhar em empresas, suas ou de outros, que se dedicam a atender políticos profissionais, homens de negócio e instituições. Agora são assessores de comunicação, relações públicas e publicitários. (...) Gerem gabinetes de crise, contratados por gente de bens denunciada nos órgãos de imprensa nos quais antes trabalhavam. Quem ontem apontava as dissonâncias entre o marketing e a realidade é hoje marqueteiro.”
O veterano Alberto Dines, ao analisar tal posfácio em ‘Jornalismo, o estado da arte’ (Observatório da Imprensa, ed. 702), ressalta que, passados treze anos da atuação desses profissionais, muitos deles estão exercendo acriticamente o inverso do jornalismo: “o saldo é melancólico. Os mais atilados buscadores de fatos transformaram-se ao longo de pouco mais de uma década em prodigiosos produtores de factoides. Nada contra: relações públicas é uma atividade legítima, lobby também será quando regulamentado. Jornalistas românticos inspirados em Hollywood têm o direito de mudar de ramo. E de sonhos”.
‘Escândalos da República 1.2’ dispõe ainda ótimo material sobre o uso sistemático de marketing milionário nas campanhas eleitorais, no que Collor foi o precursor. E como essas campanhas, desde então, são estruturadas em tais artifícios, sempre se valendo de profissionais do jornalismo e da propaganda regiamente pagos. Todos – incluindo aí, antes de mais nada, os próprios políticos – convencidos de modo cabal, após a queda de Collor, da necessidade de reforçar a influência sobre aquilo que repercute na imprensa e na opinião pública. Mais do que o nome dado aos bois, a abrangência da análise de Conti empresta muitos elementos para se entender o perverso quadro da atual política brasileira e como inúmeros profissionais de outros segmentos são também responsáveis por isso. Trata-se, certamente, de leitura obrigatória.
Preferência pelo silêncio – O artigo ‘Depois da lavoura’, de Rafael Cariello, a pretexto de falar sobre a doação feita pelo escritor Raduan Nassar de sua fazenda Lagoa do Sino à Universidade Federal de São Carlos, se presta a dar mais cores às ‘fugas’ que compõem a trajetória desse enigmático autor paulista, trinta anos após ele deixar a literatura. Mesmo com a repercussão alcançada com Lavoura Arcaica (1975) e Um Copo de Cólera (1978), no início dos anos 80 Raduan anunciou que interrompia a carreira literária, passando a se dedicar à irrigação de arroz, engorda de reses, plantio e colheita de grãos. Foi exatamente o que ele fez, até agosto do ano passado, quando formalizou a transferência da propriedade agrícola, no município de Buri, a 250 quilômetros de São Paulo.
Mantendo-se por décadas em silêncio quase absoluto com a imprensa, o escritor causou muito impacto com seu afastamento da literatura, em pleno ápice de sucesso. Apesar de ainda ter publicado o livro de contos Menina a Caminho (1997), a falta de maiores explicações para esse desligamento permanece com ares de mistério. No texto para a piauí, Cariello cita o ensaio da crítica Leyla Perrone-Moisés, de 1996, em que ela afirma que o ‘impaciente’ Raduan “finge não acreditar no valor da literatura apenas porque sua ação no mundo não é imediata e visível”. Para concluir: “Esperemos que, se Raduan abandonou a literatura, a literatura não o tenha abandonado, e o traga de volta a seus leitores”.
Nos anos 80, o escritor optava por um mundo rural ainda pouco produtivo e visto como arcaico. Assim, a perplexidade então causada levou também a reações mais duras. O jornalista José Castello escreve em 1999 que “Raduan Nassar não suportou ser um grande escritor e desistiu da literatura para criar galinhas”. “Trocou a criação estética, que é complexa e desregrada, pela mecânica suave da avicultura, e parece muito satisfeito com isso, tanto que, resistindo a todos os apelos, se recusa a voltar atrás em sua decisão”.
É consenso, contudo, que a obra de Raduan, apesar de curta, o projetou a um nível invejável na literatura brasileira da segunda metade do século XX, obtendo incontáveis traduções mundo afora e adaptações para o cinema. Por isso, se o fio condutor do texto de Rafael Cariello na piauí é o histórico de sucesso comercial obtido por Raduan em sua empreitada agrícola, ele ressalta mesmo são as condições da doação da fazenda, após quase três décadas de trabalho do escritor, entregando-a em plena produção e com alta rentabilidade. Contudo, no artigo de Cariello, essa mais nova provocação de perplexidade que Raduan possa provocar se presta a um olhar sobre os vários momentos de quebras e recomeços marcantes na trajetória da própria vida do autor de Lavoura Arcaica.

Foto Jac©Edit : Raduan Nassar durante lançamento do livro Ilogicamente, de Newman Simões (Jacintha Editores), em maio de 2010.
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