Nessa giornata, Sophia e Mastroianni vivem dois “peixes fora d’água”, afundados na solidão e desesperança de suas distintas condições marginais. Terão os destinos cruzados quando, em 8 de maio de 1938, Roma mobiliza sua população para um gigantesco desfile militar em comemoração à visita de Adolph Hitler à Itália fascista de Benito Mussolini. O filme começa exatamente com uma sequência documental, em preto-e-branco, da chegada do ditador alemão à cidade e o seu encontro com Il Duce. O aparato da propaganda de dois regimes autoritários, à beira de levar o mundo ao maior de seus conflitos bélicos, demonstrava o seu poder mobilizador das massas.
O episódio histórico introduz a trama de ficção, contrastando o fascismo em sua hegemonia e o particular da humilhação sofrida, cada qual à sua maneira, por uma mulher e um homem, vizinhos num conjunto popular em Roma. Antonietta (Sophia Loren) é uma dona de casa subserviente ao marido machista, escrava dos seis filhos, inculta e fascista de carteirinha. Já o radialista desempregado Gabriele (Marcello Mastroianni) está desencantado da vida, em particular com o regime vigente.
Enquanto praticamente todos os moradores saem para a grande manifestação partidária, Antonietta e Gabriele permanecem em seus apartamentos. É aí que a narrativa leva as personagens a se conhecerem, se estranharem e, por fim, se solidarizarem, sempre tendo por pano de fundo a transmissão radiofônica da apoteótica festa fascista.
Notáveis são também os movimentos de câmera. Logo na abertura da ficção, um único plano-sequência mostra a fachada de um dos prédios e se aproxima de uma janela de cozinha, onde Antonietta passa roupa e prepara o café, indo apartamento adentro – sem um único corte na tomada –, percorrendo com a dona de casa os diversos cômodos, enquanto ela, sôfrega de sono, acorda a penca de filhos e o marido. Outra cena antológica é a de Antonietta e Gabriele na cobertura do prédio, em que, em meio às roupas brancas esvoaçantes nos varais, o drama chega ao ápice, e valores, tensões e verdades são desvelados ao sabor do vento.
Premiado à época com o David di Donatello (melhor filme e melhor atriz, Sophia Loren) e como melhor filme estrangeiro com o César e o Globo de Ouro, além de duas indicações ao Oscar (melhores ator, Marcello Mastroianni, e filme estrangeiro), Una Giornata certamente é curtição garantida em seus vários atributos cinematográficos.
Ettore Scolla (diretor de O Baile, 1983; Casanova e a Revolução, 1982; e Feios, Sujos e Malvados, 1976), certa vez afirmou que “o cinema não pode mudar o mundo nem a realidade, mas pode ajudar a refletir”. O impensado casal que ele compõe para nossas reflexões em Um Dia Especial vive com inesperada intensidade uma relação única. Mas, apesar dos dramas e esperanças assim compartilhados, isso acaba não alterando em nada o rumo de suas vidas. O nazifascismo estava preste a mostrar suas garras também ao mundo.
Extremamente interessante essa ficção de história e época com esses maravilhosos atores. Vale muito a pena.
ResponderExcluir