17 de dezembro de 2012

Os beija-flores de Lucília permanecem a voar

 O privilégio de ter publicado A Dança dos Beija-flores no Camarão Amarelo (2010), de Lucília Augusta Reboredo, conferiu a mim a satisfação perseguida por um editor, mas que não se vê efetivamente completada em muitos casos – alcançar consistência editorial, dada pela química entre conteúdo, oportunidade de publicação e resultado de projeto, e ainda usufruir diretamente aspectos da ordem do impacto pessoal.
A riqueza de momentos proporcionados pela convivência com Lucília, fruto da produção deste livro, pode ser vislumbrada com a leitura da própria publicação. A luz com que esta professora, que nos deixou dia 8 de dezembro, oferece os voos dos seus beija-flores aos leitores materializa-se, talvez, feito uma derradeira transmissão de conhecimento do extenso percurso universitário que ela teve, como que atenuando a enorme falta nas salas de aulas que, anos atrás, seu adoecimento impôs.
     A passagem de Lucília entre nós foi marcante e parte disso certamente está inscrito em A Dança dos Beija-flores. Nele o fio constituidor são o exemplo de vida que nos deu, a elaboração tecida sobre o processo da doença que a acometeu e o equilíbrio com que compartilha essa experiência com o coletivo – o “nós” tão tratado acadêmica e socialmente por ela.
     Em reverência à sua figura querida, reproduzimos aqui o sensível texto do psicanalista Márcio Mariguela, publicado no Jornal de Piracicaba dias atrás, e a ele acrescentamos fotos feitas na emocionante apresentação do quarteto de cordas Opus4 (set./2010), no apartamento de Lucília e Peli, que Mariguela menciona.
     Lucília é mesmo “mais uma estrela na constelação do infinito. Resta a lembrança de sua bravura”.


Réquiem para Lucília
Márcio Mariguela

Fui buscar na Lacrimosa, de Wolfgagng Amadeus Mozart, a inspiração para narrar meu réquiem em homenagem ao descanso eterno de Lucília Augusta Reboredo. A lembrança inicia sua cavalgada nas reuniões sobre inovação curricular do Curso de Psicologia, nas salas do atendimento clínico no atual Museu Marta Watts da Universidade Metodista de Piracicaba. No final da década de 1980 partilhávamos o desejo de uma formação acadêmica integrada na tríade ensino, pesquisa e extensão. Os conteúdos de ensinamento se enlaçavam na prática política e não nas demandas do mercado. Sabíamos da volatividade dessas demandas. Sonhávamos com um profissional da psicologia que pudesse assumir eticamente seu compromisso com os miseráveis abandonados em favelas e periferias da cidade.
      Ela com sua histórica formação na Pontifícia Católica de São Paulo, eu com minha formação marxista na PUC-Campinas. Ela formada num dos maiores celeiros da psicologia social. Lá em São Paulo, a PUC abrigava relevantes pesquisadores que marcaram a história da psicologia no Brasil. Lá estava Ela. Sua prática docente foi instituída naquele campus onde a pesquisa em psicologia social dava o tom para a formação dos futuros psicólogos. Lá era um verdadeiro encontro com as políticas públicas de saúde psíquica pelas práticas de subjetivação da cidadania. O encontro inventivo entre pesquisa e extensão. O saber acadêmico com o cheiro das ruas e o sabor da justiça social.
       Ela se fez no compromisso com a luta política num espaço de confronto. Naquele campus ocorreu uma das batalhas contra a ditadura militar. Muitos professores foram mortos, perseguidos, torturados. E ela se fez no combate para que a abertura política pudesse ser também uma abertura para outras possibilidades de existência. A defesa da cidadania passava pela aquisição simbólica de si na efetiva relação com os outros. De Eu e Tu a Nós. As relações sociais são formadoras do psiquismo individual. Seu trabalho virou livro (1995) e fez história na formação dos psicólogos.
       Ela veio a Piracicaba com seu engajamento certeiro: a vida psíquica é comunitária. Fomentar a vida comunitária para que nela cada um pudesse experimentar o inclusivo nós. Tratar do psiquismo é dar condições materiais e simbólicas para que os enlaçamentos criem identidades psíquicas flutuantes. Flutuantes como as mandalas que Ela criou enquanto a esclerose lateral amiotrófica (ELA) sorrateiramente solapava seus movimentos.
       Com as mandalas, Lucília narrou, esteticamente, seu cântico babilônico. A nostalgia de um tempo que se escoava com a perda progressiva dos movimentos, até lhe restar apenas o movimento ocular. Com os olhos escreveu sua trágica situação: um espírito aprisionado num corpo inerte. O livro A Dança dos Beija-flores no Camarão Amarelo (Jacintha Editores) é a expressão mais sublime da dicotomia corpo/alma instaurada por Platão. Nele, cada frase foi construída num lúcido exercício psíquico e ditada, letra a letra, pelo movimento ocular entre uma tabela alfanumérica e a pessoa que estava ao lado para grafar a sinalização dada pelo olhar. A apresentação é dilacerante: “Meu intelecto e meus afetos não reconhecem mais o corpo que antes os concretizavam na relação entre o pensar e o fazer. Filosoficamente, é como se eu estivesse vivendo a separação do espírito e da matéria. O reencontro dá-se no riso e no choro, quem sabe por meu corpo ainda ter autonomia para viabilizar tais emoções. São três anos de angústia, desespero e tristeza indescritíveis. Entretanto, sempre acreditei que o ser humano possui possibilidades de reinventar a vida em quaisquer circunstâncias. E essa crença me faz sentir que apenas ‘quebrei as asas’ e terei de aprender a alçar outros e novos vôos”.
      Assim, de forma abrupta e sublime, o leitor é convidado a percorrer o curso e percurso de seu adoecimento iniciado em 2006. Seu anjo da guarda, Mariá Aparecida Pelissari, presenteou com a seguinte introdução: “É soletrando com os olhos que Lucília constrói sentidos. Essa base para sua expressão é uma espécie de escritura de si, pois que, ao narrar seu percurso recente, Lucília se reinventa e possibilita sua nova inscrição no mundo. Assim, este livro confere o suporte ideal para ela ocupar um lugar na escrita de si, ao autorizar-se a publicar e esperar algum efeito no outro e em si própria. Por suas páginas, os olhos de Lucília falam, sorriem, ensinam abraçam”.
       Nesse percurso convivendo com ELA, Lucília foi capaz de superar a si mesma: “creio que levei minha existência inteira ultrapassando meus próprios limites. Não foi por acaso que, vindo de uma família pobre de imigrantes portugueses, nascida em uma aldeia na região de Trás-os-Montes, cheguei a me formar doutora em psicologia e ser professora universitária. E por isso, também, eu tinha tanta resistência em aceitar minhas limitações físicas”. A cada nova restrição, uma nova alternativa de expressão. Suavemente demonstrou haver vida para além d'ELA.
       Certo dia, Ela convidou-me para visitá-la. Ao contemplar seus olhos percebi de súbito a potência da alegria silenciosa. Aquele que só pode existir entre os que se amam. O silêncio pairava entre notas musicais do Quarteto de Cordas que foram lhe presentear e minhas lágrimas que jorravam sem cessar. Chorei por mim, por Ela e pela efemeridade de nossas vidas. Lacrimosamente, a vida segue embalada pelas lembranças: memória de valores coloridos com a vertigem da liberdade. Precário, provisório, perecível. Descanse em paz, minha querida. 

7 de dezembro de 2012

Música de câmara na capela do Monte Alegre

A belíssima capela do bairro Monte Alegre, em Piracicaba-SP, ornada com afrescos do célebre Alfredo Volpi, estará recebendo no próximo domingo (9/dez.), às 10h, o Quarteto de Cordas Opus4 e a soprano Raissa Amaral. Celebrando o Natal, o grupo apresentará um repertório com composições de Johann Sebastian Bach, Handel, Corelli, Mozart, Sibelius e Villa Lobos.
     Envolvendo, além de música, também artes plásticas e literatura, o evento contará ainda com a participação de Lucila Maria Calheiros Silvestre, do programa radiofônico Educativa nas Letras, que lerá aos presentes deliciosas crônicas sobre o Natal. Com entrada franca, o concerto tem o apoio da Escola de Música de Piracicaba e do bairro Monte Alegre.

    Para o músico Alexandre Bragion, violista responsável pela coordenação do Opus4, “sentir a música e o coração vibrando nas paredes da capela do Monte Alegre é uma maneira de começar a se preparar com muita harmonia para o Natal deste ano”. E completa: "O som dos instrumentos de corda e a voz límpida da soprano Raissa Amaral, ecoando pelos afrescos de Volpi, devem fazer com que os presentes comunguem da paz necessária para se viver plenamente o advento natalino”.
    Independentemente de denominações religiosas, a música – concordam os membros do Opus4 – é capaz de tocar a todas as pessoas, elevando as vibrações mentais a estágios de tocante deleite e tranquilidade que merecem ser experimentados sempre, em especial nesta época de fim de ano.
                                                                                                                                                                 Foto: divulgação.