31 de março de 2011

Busca de palavras em cinco séculos de livros

Que tal poder checar o emprego de palavras ou expressões nos últimos cinco séculos? Uma ferramenta oferecida pelo Google promove essa façanha. Trata-se do Books Ngram Viewer (www.ngrams.googlelabs.com) programa com capacidade de executar busca por palavra-chave (um ou mais termos) nos 5,2 milhões de livros já digitalizados, constituindo uma fantástica área de pesquisa de 500 bilhões de palavras. Tal é o material disponibilizado em obras em inglês, francês, espanhol, alemão, chinês e russo, publicadas entre os anos de 1500 e 2008.
......Resulta da busca uma linha cronológica que exibe a incidência, nos últimos 500 anos, da aplicação da palavra ou expressões procuradas e ainda um atalho para livros que empreguem os termos indicados. Com isso, é possível identificar, quantitativamente, o uso da linguagem, ideias e conceitos ao longo desse considerável período de tempo, identificando-se, por exemplo, tendências culturais ao longo da história, segundo a forma como foram registradas nos livros.
......O conjunto de informações reunidas com o Google partiu do pesquisador Erez Lieberman Aiden e do acadêmico Jean-Baptiste Michel, ambos da Universidade de Harvard. Eles desenvolveram o projeto de pesquisa para demonstrar o quanto as bases de dados podem transformar nossa compreensão da linguagem, da cultura e do fluxo das ideias. Um exemplo é o referente às palavras women (mulheres) e men (homens). Pouco mencionada na comparação com o emprego de men até o início do século 20, women ganha destaque com o movimento feminista. No final dos anos 1990, women já possui citação mais numerosa do que men em livros. Outro caso depreende-se pelos gráficos, que apontam como o cristianismo, ao longo do século XX, perdeu espaço para outras religiões.

29 de março de 2011

'A Fita Branca', ou o ovo do ovo da serpente

A Fita Branca (Das Weisse Band), filme de Michael Haneke, continua uma ótima indicação do bom cinema europeu, apesar de já ser de 2009. Haneke, responsável pela direção e roteiro, é formado em psicologia, filosofia e teatro pela Universidade de Viena, e suas produções têm como marca o debate da violência e das perversões humanas. Violência Urbana, A Professora de Piano e Caché também tiveram direção dele.

Em A Fita Branca, às vésperas da I Guerra Mundial, estranhos eventos abalam a calma de um vilarejo protestante no norte da Alemanha. Uma corda estendida como armadilha derruba o cavalo do médico do lugar (Rainer Bock), um celeiro pega fogo, duas crianças são sequestradas e torturadas... Os incidentes isolados vão ganhando forma de um cruel ritual de punição, pondo a cidade em pânico. O professor (Christian Friedel) do coro de jovens investiga os acontecimentos em busca do responsável, querendo revelar a perturbadora verdade, ainda que admita não distinguir exatamente o que seja boato ou não. A frieza e a culpa coletivas são narradas por este personagem central, ao longo de um filme em preto e branco de rica fotografia e com enquadramentos primorosos, mesmo em ambientes internos e de planos fechados.

Aquele microcosmo, com seu sistema social rigidamente hierárquico e de enorme intransigência moral, reserva sempre severas punições às crianças e mulheres, sob o domínio inconteste dos adultos homens. Mas o que em público tem aura de justo ou adequado, a quatro paredes revela sua mais pura crueldade. Nesse clima, a notícia do assassinato, em Sarajevo, do arquiduque austríaco Francisco Ferdinando, que desaguará na carnificina da primeira grande guerra, impõe um corte ao silêncio que pauta a coletividade perante os sinistros acontecimentos locais.

Palma de Ouro do Festival de Cannes de 2009, A Fita Branca (144 min., prod. Áustria, França, Alemanha e Itália) busca retratar o ponto germinal do crime de ódio mais abordado pelo cinema no século 20, o Holocausto. Naquele ambiente social rígido e autoritário, pleno em punição, puritanismo, crueza e disciplina – e que ainda sairia profundamente massacrado pelos vencedores do primeiro conflito bélico mundial –, estava sendo germinado com muito rancor o ovo da nazi serpente a gerar a II Guerra.

26 de março de 2011

Virginia Woolf, sua literatura ainda é de enorme influência

Na manhã de 28 de março de 1941, Virgínia Woolf entrava nas águas gélidas do Rio Ouse (Rodmell, Inglaterra) para, com os bolsos do casaco de pele cheios de pedras, deixar-se afundar, dando fim à sua vida. A escritora inglesa era, já então, um monumento. E, passados exatos 70 anos daquela sexta-feira, o fascínio sobre seus livros mantém-se inconteste. Nos 59 anos em que viveu, Woolf escreveu nove romances (entre eles O Quarto de Jacob, Orlando e As Ondas), três biografias e boa quantidade de contos e obras de não ficção, como o ensaio feminista seminal “Um teto todo seu”. Seus diários preenchem cinco volumes, suas cartas, seis.
......Virginia Woolf nasceu em Londres (1882), filha de um editor, sir Leslie Stephen e, na educação esmerada que recebeu, frequentou desde cedo o mundo literário. Casa-se com Leonard Woolf, com quem funda a Hogarth Press, editora que revelou escritores como Katherine Mansfield e T.S. Eliot. Fez parte do grupo Bloomsbury, composto por intelectuais sofisticados que, após a I Guerra Mundial, investiria contra as tradições literárias, políticas e sociais da era vitoriana.
......Vítima de grave depressão, ela escreve, no bilhete para o marido antes do seu suicídio, que ter “certeza de estar ficando louca novamente”: “Sinto que não conseguiremos passar por novos tempos difíceis. E não quero revivê-los. Começo a escutar vozes e não consigo me concentrar. Portanto, estou fazendo o que me parece ser o melhor a se fazer.” (...) “Você vê, não consigo sequer escrever. Nem ler. Enfim, o que quero dizer é que é a você que eu devo toda minha felicidade.”
A influência dela – No ensaio ‘Em busca da jornada épica das vidas comuns’, o romancista americano Michael Cunningham detém-se sobre Mrs. Dalloway, livro de Virginia Woolf que inspirou o seu As Horas (por sinal o título original de Mrs. Dalloway, trocado por Woolf antes de sua publicação), cuja versão para o cinema deu o Oscar de melhor atriz a Nicole Kidman. Cunningham avalia que, nesta obra-prima de Woolf, ela “esbanja controle, uma qualidade com frequência – às vezes demais – cara à maioria dos romancistas. Ela está testando não só seus poderes, mas os limites do próprio romance. Podemos quase ouvir seus pensamentos na página”.
......O Sábatico, no qual foi publicado esse ensaio, traz ainda uma entrevista com Cunningham (‘É difícil escapar da influência dela’), concedida a Rinaldo Gama. Para completar, que tal ter uma noção da história da romancista inglesa? Para tanto, acesse ‘A trajetória de Virginia Woolf’ e aprecie uma rica retrospectiva de fotos dela.

25 de março de 2011

Abertas as inscrições ao Prêmio Jabuti 2011

A 53.a edição Prêmio Jabuti, tido como a mais importante e ampla premiação da literatura brasileira, está com suas inscrições abertas, se estendendo até 31 de maio. Podem concorrer apenas obras inéditas, publicadas no Brasil entre 1.º de janeiro a 31 de dezembro do ano passado, sendo aberto a editores, escritores, autores independentes, tradutores, ilustradores, produtores gráficos e designers.
......Após a polêmica ocorrida no evento do ano passado, a Câmara Brasileira do Livro (CBL) anunciou uma série de mudanças no regulamento. Entre elas, em 2011 serão 29 categorias, três a mais em relação ao ano passado (Ilustração, Gastronomia e Turismo e Hotelaria). Também o total dos prêmios passou de R$ 123 mil para de R$ 147 mil. O número de laureados é outra inovação: até 2010, o primeiro, segundo e terceiro lugares de cada categoria eram premiados; neste ano terá apenas um livro finalista por categoria. E dentre eles saem os vencedores de Livro do Ano, de ficção e de não ficção, a serem anunciados festivamente na Sala São Paulo, no dia 30 de novembro.
......Acesse aqui a ficha de inscrição ao Jabuti.

23 de março de 2011

Chega ao Brasil o 'talento iluminado' de um jovem escritor

Sempre me agradou a ideia de não se saber como se escreve um livro. De aprender a escrever com cada um e, ao terminá-lo, ser tomado novamente pela dúvida. Um escritor é diferente de um escrivão. Se sabe perfeitamente como executar seu trabalho, então é um impostor. Leitores não merecem fórmulas, mas assombros. E um autor não pode espantar ninguém se não é primeiro assombrado pela linguagem.

Anote o nome do autor dessas palavras: Andrés Neuman. Melhor ainda, leia um de seus livros! Como Bariloche (Anagrama, 1999), La Vida en las Ventanas (Espasa, 2002) e Una Vez Argentina (Anagrama, 2003). Certamente você ainda ouvirá falar muito dele. Esse jovem escritor argentino (Buenos Aires, 1977) é um dos convidados da próxima Flip, em julho, e foi elogiado pelo chileno Roberto Bolaño com tendo “um talento iluminado”. Relacionado pela revista britânica Granta entre os 22 melhores narradores jovens em espanhol, Neuman atualmente é colunista da Revista Ñ (jornal Clarín, Argentina) e do suplemento cultural do diário ABC (Espanha).
......Premio de la Crítica, concedido pela Asociación Española de Críticos Literarios no ano passado, Andrés Neuman tem o seu O Viajante do Século, de 2009, traduzido agora no Brasil (Alfaguara, 456p., R$ 55,00, trad.: Maria Paula G. Ribeiro). Dando continuidade ao culto do fantástico, marcante na literatura latinoamericana, Neuman cria nessa obra uma cidade (Wandernburgo), retratando, com suas ruas instáveis, a Europa como um todo. Em tal espaço urbano imaginário, o viajante Hans, em pleno século XIX, se apaixona pela insinuante Sophie. A inspiração vem de Viagem de Inverno, sinfonia de Schubert, para narrar uma história de amor à moda romântica, mas se valendo de termos modernos.
......A respeito desse livro, Maarten Steenmeijer (De Volkskrant, Holanda) assegura: “Por fim a literatura latinoamericana obtém sua mais que esperada novela europeia, com a mesma ambição, erudição e vitalidade de obras como Cem Anos de Solidão [G.G. Marquez] e A Casa Verde [M.V. Llosa]. Neuman não é apenas uma notícia brilhante para América Latina, como também para a literatura europeia”.
......Andrés Neuman mantém um site próprio e o blog Microrréplicas, pelos quais dá para se manter atualizado sobre os rumos literários desse jovem e acessível autor. Confira ainda a entrevista dada por ele a Ubiratan Brasil, no Estadão.

22 de março de 2011

Acervo de Mindlin gera publicação inusitada

Centenas de modelos, entre os 40 mil livros da biblioteca do empresário José Mindlin, doados para compor o acervo da Biblioteca Brasiliana USP (com inauguração prevista para janeiro de 2012), deverão resultar em breve numa publicação um tanto diferente.

É que desde 2010 a fotógrafa Lucia Loeb, neta do bibliófilo, prepara um livro todo feito com mais de cem guardas de livros do acervo de seu avô, informa a jornalista Raquel Cozer, em matéria do jornal O Estado de S.Paulo (19/mar./11). Para quem não sabe, guardas são as páginas duplas, coloridas ou não, coladas entre a 2.a e a 3.a capas e o corpo do livro. Em geral mais grossas do que as páginas do miolo, têm por função reforçar a estrutura de livros maiores. Elas teriam surgido para evitar que a cola usada na capa não sujasse o miolo, mas acabaram se tornando também páginas decorativas.

Lucia Loeb diz ter ficado impressionada com a beleza de várias guardas de livros de Mindlin, como a da 1.a edição de Os Sertões (1902) e outra de Os Lusíadas (datada de 1876). Daí veio a ideia de organizar o livro/CD Páginas de Cortesia, ainda sem data definida para publicação pela Editora do Bispo.

21 de março de 2011

De onde vêm as boas ideias: o acaso favorece as mentes conectadas

Todos nós estamos interessados em ser mais criativos e ter ideias cada vez melhores, bem como as organizações, em serem sempre inovadoras. Mas qual o caminho das pedras para tanto? Trata-se de uma questão particularmente instigante num mundo em que as atividades humanas são por excelência colaborativas, o que levaria a uma primeira pista: com relações produtivas a partir de tal carga de conexões, quanto mais conectado, maior a tendência para ideias verdadeiramente originais.
......É justamente de onde parte o mais novo livro do americano Steven Johnson, tido como um dos maiores pensadores do ciberespaço, buscando identificar De Onde Vêm as Boas Ideias, a ser publicado neste ano pela Zahar. Em Where Good Ideas Come From. The natural history of innovation (2010), o ex-colunista da badalada Wired e editor-chefe e co-fundador da Feed, premiada revista cultural on-line, defende que inovação nasce do caos, e não, como se convenciona imaginar, a partir de insights geniais tirados do nada após momentos de isolamento em contemplação.
......Graduado em semiótica pela Brown University e em literatura inglesa pela Columbia University, aos 41 anos de idade, Johnson vive em Nova Iorque desde 1991. Sua concepção de conectividade da inovação indica que, com frequência, as melhores ideias surgem de redes de outras ideias ou da criação a partir de processos e ideias já inventados. Cabe “pegar emprestada uma ideia de outra pessoa e desenvolvê-la em outro campo, fazer algo completamente novo”. Para ele, ideias revolucionárias não tendem a surgir de surto repentino de inspiração. Elas precisam de tempo de hibernação e acabam surgindo como fruto da fusão de palpites pontuais, originalmente isolados, menores, portanto, do que aquilo no qual resultam. Ótimo exemplo disso é apresentado no filme que narra a criação do Facebook, A Rede Social.
......Para Jonhson, uma meta seria criar sistemas promotores de palpites que se unam e se tornem algo verdadeiramente maior. Ele destaca a importância que, por exemplo, cafés e salões parisienses tiveram para fomentar ideais e inovações que desaguaram no Iluminismo e Modernismo. Esses locais constituíram verdadeiros motores de criatividade, a combinar ideias antes dispersas para ganhar formas novas. Vem da importância de se estimular esses processos, observa ele, a longa história de “defesa de sistemas abertos, seja em universidades, seja em ciência experimental, seja na internet”.
......Frente ao debate atual sobre o que o mundo da web, com seu estilo de vida multifuncional e hirperconectado, estaria causando ao nosso cérebro, Jonhson argumenta que “o grande propulsor da inovação científica e tecnológica sempre foi o aumento histórico na conectividade e na capacidade de buscar outras pessoas com quem possamos trocar ideias e pegar emprestado palpites alheios, combiná-los com nossos próprios palpites e transformá-los em algo novo”. Eis aí, para ele, o motor primordial da criatividade e da inovação nos últimos séculos.
......Nesse sentido, classifica como maravilhoso aquilo trazido pelos recursos tecnológicos nos últimos 15 anos: “temos tantas novas formas de nos conectar e tantas novas formas de buscar e encontrar novas pessoas que possuem aquela peça que faltava para completar a ideia com que estávamos trabalhando ou com alguma informação nova ou incrível que podemos usar para desenvolver ou melhorar as nossas próprias ideias”. Essa seria a verdadeira lição a respeito de onde vêm as boas ideias: “o acaso favorece as mentes conectadas”!
......O vídeo abaixo, um verdadeiro trailer deste livro, é por si só um atrativo, em particular pela animação com que, em minutos, desenvolve a complexa, ainda que translúcida, teia de relações que sustentam a tese de Johnson.

Acesse aqui a entrevista de Steven Johnson em O Globo (14/nov./10)

18 de março de 2011

'Dores da Colômbia', a angústia de Botero frente à violência do seu país

A obra satírica do artista plástico colombiano Fernando Botero, reconhecido por pintar figuras corpulentas e roliças desdenhando de estereótipos da sensualidade em vigor, possui outro lado menos conhecido, no qual vê-se reforçada sua angústia criativa: a violência da história do seu país. A exposição Dores da Colômbia, em São Paulo (Centro Cultural Caixa Econômica, Pça. da Sé, 111, de 15/mar. a 1.o/maio, de 3.a a domingo, das 9h às 21h, entrada franca, 11 3121-4400), revela o que o artista de 78 anos chamou de “um testemunho da irracional história colombiana”.

Mesmo sendo declaradamente “contra a arte como forma de combate”, diante do drama que afetou a Colômbia Botero afirma ter sentido obrigação “de deixar um registro sobre o momento irracional de nossa história". Assim, são 36 desenhos, 25 pinturas a óleo e seis aquarelas nos quais o artista, conhecido por suas gordinhas e gordinhos erotizados, faz-se testemunha de um período histórico profundamente turbulento da Colômbia.

Una Madre, Fernando Botero, 1999, óleo sobre tela.

17 de março de 2011

Flores do deserto contra mutilações femininas

Enquanto no Ocidente as mulheres avançam na conquista de seus direitos civis -- embora haja ainda um longo caminho a ser percorrido até a igualdade com os homens --, no Oriente a secular discriminação de gênero continua a se justificar nos territórios da tradição, da cultura e da religião para se traduzir, não raro, em torturas, punições horrendas e execuções públicas contra o sexo feminino.
......Mesmo as recentes revoltas populares que hoje alteram o cenário político no Oriente Médio e na África não garantem às mulheres nenhuma certeza de que passarão de simples “mercadorias de troca”, como têm sido há séculos, à condição de cidadãs participantes na construção de sociedades livres. Ativas nessas manifestações e levantes contra os ditadores do mundo árabe, o desafio delas agora é fazer valer a sua real contribuição nesses episódios para alcançar progressos significativos na condição feminina daqui para frente nesses países.
......Tão importantes quanto a queda dos ditadores e a construção de nações respeitosas dos direitos de sua população são as mudanças nas tradições arcaicas de submissão, subserviência e opressão feminina. E para fazer valer esse novo código de conduta, duas mulheres, cada qual a seu modo, enfrentaram humilhações e continuam superando pressões e censura para fazer valer o seu desejo de dignidade e independência.

......Uma delas é a psiquiatra e escritora egípcia Nawal El Saadawi, ex-exilada política que, além de feminista histórica, inspirou com suas ideias o movimento que levou à queda do ditador Hosni Mubarak, em fevereiro passado. A perseguição política à Nawal teve início nos anos 70, quando ela publicou Mulheres e Sexo, contando os problemas decorrentes da mutilação genital que sofreu quando era uma menina de 6 anos. O livro foi retirado de circulação e proibido durante duas décadas no Egito. Depois disso, por conta de sua militância contra o fanatismo religioso, Nawal continuou perseguida, foi presa e processada pelos fundamentalistas por "trair" a religião muçulmana.
......Nawal também é autora de A Face Oculta de Eva (Global Editora, 2002), com depoimentos e entrevistas sobre a opressão vivida pelas mulheres nos países árabes. Hoje, aos 80 anos de idade, a ativista, que inclusive concorreu em 2005 à presidência do Egito contra Mubarak, permanece na luta pela liberdade política e pela inclusão social das mulheres egípcias. Para ela, “não existe democracia sem igualdade entre homens e mulheres”.
......A foto de Nawall (acima, sem crédito) é reproduzida do seu site, que, por sinal, traz a seguinte epígrafe: “Para as mulheres e os homens que escolhem e pagam o preço da liberdade, em vez de continuar pagando o preço da escravidão”.
......Outro ícone da luta contra a opressão feminina, dessa vez no continente africano, é a modelo, atriz e escritora somali Waris Dirie. Ela é a autora do best-seller internacional Flor do Deserto, publicado nos EUA em 1997 e com 11 milhões de exemplares vendidos em todo o mundo. Autobiográfico, o livro conta como ela foi obrigada a se submeter à mutilação genital aos 5 anos.
......Aos 13, fugiu de um casamento forçado com um homem que tinha idade para ser seu avô e foi parar em Londres, onde trabalhou como faxineira no McDonald’s até ser descoberta por um grande fotógrafo, tornando-se então modelo e celebridade internacional.
......Em 2008, conseguiu ampliar a denúncia sobre a opressão contra as mulheres da África e do Oriente Médio, quando a sua história foi transportada para o filme Flor do Deserto (veja abaixo entrevista sobre ele), protagonizado por outra top model, a etíope Liya Kebede. A aterrorizadora cena da mutilação é recriada no filme com a intenção de alertar o público e poupar futuras gerações de mulheres.
......Embaixadora especial da ONU para a eliminação da mutilação genital feminina, Waris vive em Viena, onde preside a Desert Flower Foundation, que tem por objetivo eliminar do planeta esse violento ritual praticado diariamente, por muçulmanos e cristãos, em oito mil meninas.

16 de março de 2011

‘Los Días del Arcoiris’, de Skármeta, leva o Prêmio Planeta-Casa de América

O Prêmio Íbero-americano de Narrativa Planeta – Casa de América, em sua quarta edição, acaba de ser consagrado a Los Días del Arcoiris, do escritor chileno Antonio Skármeta, como o melhor livro entre 639 títulos inscritos. Objetivando promover a narrativa em língua espanhola em todos os países íbero-americanos, o prêmio rendeu US$ 200 mil ao autor vencedor, em anúncio feito nesta terça-feira, em Santiago do Chile. Esta obra repassa, a partir do olhar de uma criança de 11 anos, os dias do Plebiscito Nacional que, em 1988, perguntou à população chilena se o general Pinochet deveria continuar no poder.
......Esteban Antonio Skármeta Branicic nasceu em Antofagasta em 1940 e é descendente de croatas. Cursou filosofia e literatura na Universidade do Chile, completando seus estudos nos EUA e graduando-se na Universidade de Columbia. Foi membro da organização de esquerda Movimento de Ação Popular e Unitária (MAPU) e, em 1973, quando era professor de literatura da Universidade do Chile, precisou abandonar o país por força do golpe militar promovido por Pinochet. Após morar um tempo na Argentina, fixou residência na Alemanha, regressando ao seu país apenas em 1989.
......Entre os prêmios obtidos por Skármeta estão o Casa das Américas (Havana, 1969), pelo livro de relatos Desnudo en el Tejado; o Internacional de Literatura Bocaccio (Itália, 1996), por sua novela No Pasó Nada; o Grinzane Cavour (Itália, 2001), pela novela La Boda del Poeta; e, sob pseudônimo de María Tornés, recebeu o Planeta (Espanha, 2003), por El Baile de la Victoria.
......O seu O Carteiro e o Poeta (1985) foi vertido duas vezes para o cinema e, em 1994, El Cartero de Neruda recebeu cinco indicações ao Oscar. No Brasil, a Record detém a publicação do maior número de títulos de Antonio Skármeta.

15 de março de 2011

O colorido em fotografia

As imagens aqui postadas são do fotógrafo russo Sergei Mikhailovich, em registros do interior do seu país. Se lhe perguntassem se elas datam de 1910, 1950 ou 1990, por qual desses anos você optaria?
.....Pois é, elas pertencem a um conjunto de 34 fotos do site ‘The Big Picture. News stories in photographs’, trazendo ao público internético parte do levantamento fotográfico do Império Russo realizado por Mikhailovich, sob encomenda do czar Nicolau II, entre 1909 e 1912.
.....Para obtenção do colorido, foram empregados filtros sucessivos. Sergei Mikhailovich Prokudin-Gorskii (1863-1944), para essa belíssima coleção, usou uma câmara própria para capturar três imagens em preto e branco, em sequência bem rápida, com filtros vermelho, verde e azul. Isso possibilitou que, posteriormente, elas fossem combinadas para se chegar muito próximo às colorações originais.
.....O fato é que fica difícil, frente a resultado de tal qualidade, acreditar que essas imagens foram feitas há um século, quando nem a Revolução Russa nem a I Guerra Mundial haviam sido deflagradas, como o próprio site destaca. A mostra oferecida pelo ‘The Big Picture’ faz parte de um lote de centenas de imagens coloridas disponibilizado pela Biblioteca do Congresso americano, que comprou as placas em vidro originais delas em 1948.
.....Como registro A primeira fotografia, considerando uma “imagem inalterável, produzida pela ação direta da luz”, foi tirada por Joseph Nicéphore e data de 1826: a vista descortinada da janela do sótão de sua casa, em Chalons-sur-Saône Niepce. Foram necessárias oito horas de exposição para sua obtenção. Outra informação a valorizar ainda mais o trabalho de Mikhailovich é que apenas em 1935 o mundo ganharia o cromo colorido, para uso em escala, quando a Kodak lança o Kodachrome (impactante a toda uma geração, essa marca emprestou nome a uma famosa música de Paul Simon, em 1973).
Foto 1 Mulher sentada à beira do Rio Sim, bacia do Volga, 1910 (Prokudin-Gorskii Collection)
Foto 2 Autorretrato de Mikhailovich, de terno e chapéu, próximo ao Rio Karolitskhali, nas montanhas do Cáucaso, 1910 (Prokudin-Gorskii Collection)

14 de março de 2011

‘Sartre de Beauvoir’: 25 anos sem Simone

Autora do célebre princípio até hoje caro ao movimento feminista, o de que “Ninguém nasce mulher, torna-se mulher”, Simone de Beauvoir (9/jan./1908 - 14/abr./1986) é objeto de interessantíssima análise do cientista político Luciano Oliveira, que a JacEdit faz questão de trazer com exclusividade ao público leitor deste blog. Há 25 anos de sua morte, a pensadora e escritora francesa tem no ensaio “Sartre de Beauvoir” sua relevância histórica revista por Luciano, em particular no comparativo ao legado deixado por Jean-Paul Sartre (21/jun./1905 - 15/abr./1980), com quem, por meio século, formou o casal que quebrou paradigmas e serviu de espelho para toda uma geração.
.....O professor da Universidade Federal de Pernambuco concentra sua abordagem na Simone de Beauvoir autora de O Segundo Sexo (1949): “Mas quem escreve uma obra dessa magnitude aos 41 anos precisa de outras credenciais?”, pergunta Luciano, a sustentar o foco do seu artigo. Para ele, enquanto o Sartre ultra-esquerdista assim como o filósofo da fase existencialista estão datados, Beauvoir, sem ter inventado o feminismo, “tornou-se a teórica mais importante da – como costuma se dizer – única revolução que deu certo no século XX: a das mulheres!” E um dos pontos mais lúcidos do pensamento dela reside justamente em ter identificado que ser mulher não é a mesma coisa que ser fêmea. “Macho e fêmea são destinos biológicos; mulher e homem são construções históricas”, reforça Luciano. “O que hoje até parece uma banalidade, não o era então.”
.....Criticando a própria demora em conferir a devida importância à pensadora francesa a um quê de reprodução, ainda que inconsciente, do olhar que concebe um papel subalterno da mulher no mundo (“Beauvoir sempre foi ‘a mulher de Sartre’”), reproduzido também por intelectuais de sua geração, Luciano indica como Simone, “com brilho e uma erudição de tirar o fôlego”, compôs num livro monumental (O Segundo Sexo) sua análise e denúncia dessa condição feminina. “Simone de Beauvoir é autora de uma obra que, com o passar do tempo e as peripécias da história, tornou-se mais importante do que a de Jean-Paul Sartre! Por quê?”
.....Eis o que Luciano Oliveira vislumbra responder em seu artigo “Sartre de Beauvoir”, numa abordagem enriquecida por sua enorme consistência acadêmica e conduzida pela saborosa escrita literária que marca seus escritos. O link acima leva ao teor integral de tal texto.

Luciano Oliveira – doutor em sociologia pela École des Hautes Études en Sciences Sociales (Paris), como pesquisador e professor transita entre a sociologia e a ciência política; imprime aos seus escritos um estilo em que o rigor metodológico é amaciado pelo recurso de uma expressão literária toda própria. Por isso, prefere definir-se como ensaísta. Entre suas obras, em O Inigma da Democracia. O pensamento de Claude Lefort (JacEdit: 2010, 128p.), livro prefaciado por Marilena Chaui, ele desfila de forma precisa e concisa a concepção lefortiana de democracia, como o modo democrático de instituição da sociedade que melhor responde ao desafio – angustiante, reconhece Luciano – de viver e conviver despido da crença de que alguma força política possa deter o segredo da felicidade humana. Uma obra digna de ser conhecida.

A propósito da pensadora francesa: indicamos o site Simone de Beauvoir para se conhecer detalhes sobre sua vida e obra. Criado por Wagner Campelo, “paisagista por formação (UFRJ), designer por acidente, fotógrafo por hobby, escritor por teimosia”, essas páginas são muito bem estruturadas e de bom gosto. Rico em detalhes biográficos, trazem amplo repertório de imagens, dados sobre os escritos de Beauvoir e material publicado a seu respeito, links para outros sites, vídeos dela e sobre ela etc. Destaque para o belíssimo nu de Simone, enquanto se arrumava após um banho, em imagem capturada em 1952 pelo fotógrafo Art Shay (ao que ela teria reagido: “Homem travesso!”).

13 de março de 2011

Um filme especial de Ettore Scola

Una Giornata Particolare (Um Dia Especial, 1977, 105 mim.) é desses filmes absolutamente brilhantes. Roteirizado e dirigido por Ettore Scola, é imperdível, a começar pelas interpretações de Sophia Loren e Marcello Mastroianni, diferentes de seus papéis de la dona fogosa e do galã implacável em geral presentes nas grandes produções italianas.

Nessa giornata, Sophia e Mastroianni vivem dois “peixes fora d’água”, afundados na solidão e desesperança de suas distintas condições marginais. Terão os destinos cruzados quando, em 8 de maio de 1938, Roma mobiliza sua população para um gigantesco desfile militar em comemoração à visita de Adolph Hitler à Itália fascista de Benito Mussolini. O filme começa exatamente com uma sequência documental, em preto-e-branco, da chegada do ditador alemão à cidade e o seu encontro com Il Duce. O aparato da propaganda de dois regimes autoritários, à beira de levar o mundo ao maior de seus conflitos bélicos, demonstrava o seu poder mobilizador das massas.

O episódio histórico introduz a trama de ficção, contrastando o fascismo em sua hegemonia e o particular da humilhação sofrida, cada qual à sua maneira, por uma mulher e um homem, vizinhos num conjunto popular em Roma. Antonietta (Sophia Loren) é uma dona de casa subserviente ao marido machista, escrava dos seis filhos, inculta e fascista de carteirinha. Já o radialista desempregado Gabriele (Marcello Mastroianni) está desencantado da vida, em particular com o regime vigente.

Enquanto praticamente todos os moradores saem para a grande manifestação partidária, Antonietta e Gabriele permanecem em seus apartamentos. É aí que a narrativa leva as personagens a se conhecerem, se estranharem e, por fim, se solidarizarem, sempre tendo por pano de fundo a transmissão radiofônica da apoteótica festa fascista.

Além da reconhecida química entre os dois atores centrais, destaque para o roteiro e a direção de fotografia, valorizando detalhes como do apartamento onde vive a família numerosa, num conjunto habitacional a lembrar um formigueiro de gente, em que as roupas são estendidas em áreas coletivas e os elevadores não conseguem transportar o grande número de moradores.

Notáveis são também os movimentos de câmera. Logo na abertura da ficção, um único plano-sequência mostra a fachada de um dos prédios e se aproxima de uma janela de cozinha, onde Antonietta passa roupa e prepara o café, indo apartamento adentro – sem um único corte na tomada –, percorrendo com a dona de casa os diversos cômodos, enquanto ela, sôfrega de sono, acorda a penca de filhos e o marido. Outra cena antológica é a de Antonietta e Gabriele na cobertura do prédio, em que, em meio às roupas brancas esvoaçantes nos varais, o drama chega ao ápice, e valores, tensões e verdades são desvelados ao sabor do vento.

Premiado à época com o David di Donatello (melhor filme e melhor atriz, Sophia Loren) e como melhor filme estrangeiro com o César e o Globo de Ouro, além de duas indicações ao Oscar (melhores ator, Marcello Mastroianni, e filme estrangeiro), Una Giornata certamente é curtição garantida em seus vários atributos cinematográficos.

Ettore Scolla (diretor de O Baile, 1983; Casanova e a Revolução, 1982; e Feios, Sujos e Malvados, 1976), certa vez afirmou que “o cinema não pode mudar o mundo nem a realidade, mas pode ajudar a refletir”. O impensado casal que ele compõe para nossas reflexões em Um Dia Especial vive com inesperada intensidade uma relação única. Mas, apesar dos dramas e esperanças assim compartilhados, isso acaba não alterando em nada o rumo de suas vidas. O nazifascismo estava preste a mostrar suas garras também ao mundo.

10 de março de 2011

Buenos Aires: cidade-mundo dos livros

Engana-se quem acredita que a grande atração portenha é o tango. Os leitores incontestes identificam Buenos Aires pela tradição de seus escritores premiados, revistas literárias, casas editorais, boas livrarias e bibliotecas públicas. Não à toa ela foi designada pela Unesco como a “Capital Mundial do Livro 2011”.

Para celebrar esse título, a capital argentina se prepara para receber, a partir de 20 de abril até 7 de maio deste ano, um público estimado em mais de um milhão de pessoas interessadas em apreciar publicações das mais distintas procedências, além de participar de atividades culturais e de debates sobre o mercado editorial nesse país e no mundo.

Trata-se da 37.ª Feira Internacional do Livro de Buenos Aires, o mais expressivo evento dessa natureza no mundo da língua hispânica. Organizada anualmente pela Fundación El Libro, ocupa 50 mil m2 de um edifício no bairro portenho de Palermo e oferece programação variada, incluindo atrações culturais, educativas e profissionais comandadas por escritores, editores e personalidades da literatura e da cultura argentinas.

Na edição de 2011, as conferências, mesas-redondas e painéis contarão também com a presença dos autores espanhóis Juan José Millás, Rosa Montero, Adolfo García Ortega e Antonio Muñoz Molina, do zambiano Wilbur Smith, da mexicana Margo Glantz, do artista plástico uruguaio Carlos Páez Vilaró e do sociólogo francês François Dubet, entre outros destaques internacionais. Isso sem falar do escritor peruano Mario Vargas Llosa, que abrirá o evento, a despeito da tentativa de um grupo de intelectuais argentinos de vetar a participação do Nobel de Literatura 2010, por conta de postura política e ideológica dele, que diverge do grupo.

Afora essa polêmica em torno dos convidados, a feira promete reunir editoras, distribuidoras e livrarias nacionais e estrangeiras, instituições culturais e educativas, meios de comunicação e representantes de vários países em estantes distribuídos em cinco diferentes pavilhões. Detalhe: um júri formado por especialistas premiará os melhores estandes, em cinco categorias: comercial, institucional, de província argentina, de país estrangeiro e por originalidade / criatividade.

Um sexto módulo da feira abrigará as jornadas profissionais, que discutirão os rumos da editoração, direitos autorais, edição digital, produção editorial universitária, literatura de ficção, entre muitas outras temáticas. Ainda nesse espaço, os visitantes poderão conferir exposições plásticas e fotográficas. Um dos pontos altos será no dia 7 de maio, quando a cidade será percorrida por uma maratona de leitura organizada por artistas, no que promete ser um grande passeio literário.

Confira a programação da 37.a Feira Internacional do Livro de BA.
Foto: Jac©Edit

9 de março de 2011

Pensamento de Foucault ganha três novas publicações

Acabam de chegar ao público brasileiro três novas publicações sobre o pensamento de Michel Foucault (1926-1984). Em Foucault e a Revolução Iraniana (Editora É, trad.: Fábio Monteiro de B. Farias, 480p., R$ 89,00), Janet Afary e Kevin B. Anderson trabalham os artigos escritos pelo filósofo francês sobre o conflito que, em 1979, levou o aiatolá Ruhollah Khomeini ao poder no Irã, lá estabelecendo uma teocracia islâmica. Foulcault chegou a apoiar, num primeiro momento, os fundamentalistas religiosos que derrubaram a monarquia autocrática pró-ocidental do xá Reza Pahlevi, conflitando com intelectuais contemporâneos seus, que viam no novo regime a representação do confronto entre o mundo religioso arcaico e a modernidade laica.

Em defesa do autor de Vigiar e Punir (1975), que em 1978 visitou o Irã como correspondente do jornal Corriere della Sera, haveria o fato de ele ter sido “tocado pelo heroísmo das multidões iranianas diante da polícia e do Exército do xá", segundo o historiador Paul Veyne, amigo e colaborador do filósofo, conforme o livro Foucault: seu pensamento, sua pessoa (Civilização Brasileira, trad.: Marcelo Jacques de Morais, 256p., R$ 32,90). Para Veyne, Foucault teria ultrapassado a neutralidade e tomado o partido dos revoltados, “sem esperar para ver se o islamismo não daria razões para a indignação dignas de suscitar revoltas pontuais”. Em síntese, Foucault focou sua visão na revolução iraniana como a luta da libertação de um povo.

Completando os lançamentos, no ano em que o pensador francês faria 85 anos de idade, está Como Ler Foucault (Zahar, trad.: Maria Luza X.A. Borges, 144p., R$ 30,00), no qual Johanna Oksala, pesquisadora da Universidade de Helsinque, Finlândia, tem propósito didático. Ela busca traduzir o discurso de Foucault e – como indica Antonio Gonçalves Filho, em seu artigo “Foucault e o Islã, mistura explosiva” – “ver em que ponto o nietzschiano filósofo aproxima-se de Heidegger - simpatizante e colaborador de outro regime obtuso, o nazista, nunca é demais lembrar”.

A propósito: em 2011 ainda se comemora meio século da publicação de História da Loucura (Perspectiva, 2004, 7.a ed., 558p., R$ 50,00), em que Foucault destrói a concepção do internamento como única solução para lidar com a loucura e ataca o domínio exercido pelas concepções médicas em seu tratamento. Para ele, a loucura não é uma entidade fixa, mas sim construída tanto social e politicamente quanto medicamente. Leitura fundamental, diga-se.

Conheça mais o filósofo francês em ‘Espaço Michel Foucault’.

2 de março de 2011

CBL com nova presidente: Karine Pansa

A Câmara Brasileira do Livro (CBL) teve sua nova diretoria empossada para o biênio 2011/2012 nesta semana. Assume sua presidência Karine Pansa, sucedendo a Rosely Boschini, há dois mandatos no cargo e com resultados bastante elogiados entre as empresas do setor. Encabeçando a chapa Trabalho e Seriedade, a única registrada ao pleito, Karine é formada em administração de empresas e sócia-diretora da Girassol Brasil Edições. Iniciou sua carreira editorial no segmento infantil como tradutora e na preparação de originais, posteriormente passando pelo departamento comercial e a administração geral da empresa.

Estão também à frente da atual gestão, como vice-presidentes, Bernardo Gurbanov, da Editora Letra Viva (Administrativo e Financeiro); Hubert Alquéres, da Bandeirantes Comércio de Material Didático – Editora Jatobá (Comunicação); e Vítor Tavares, da Distribuidora Loyola de Livros (secretário). Integrará a nova equipe ainda o administrador de empresas e profissional de marketing Mansur Bassit, como diretor-executivo, advindo da Imprensa Oficial do Estado de São Paulo.

Foto: Aguinaldo Pedro/CBL

1 de março de 2011

Há 55 anos

O CORAÇÃO BÁRBARO DO BRASIL, Rachel de Queiroz
Publicado em Flagrantes do Brasil, de Jean Manzon (Bloch Ed., 1956)

Uma das mais fortes emoções que o papel impresso já me proporcionou, devo-a ao cidadão do mundo, Jean Manzon. Era uma fotografia, e representava um guerreiro Xavante de arco esticado, a seta apontada para o céu, pontaria alçada contra o avião cuja sombra negra lhe aparecia ao lado. Além de toda a fôrça plástica de quadro tão belo, havia ainda um elemento dramático, eterno, na-quele flagrante. Era o próprio coração bárbaro do Brasil, enfrentando o mundo, o choque inicial do homem primitivo contra os engenhos mais modernos da civilização – era assombroso constatar que o selvagem não se apavorava, que sozinho e nu no meio da selva enfrentava a espantosa ave de ferro carregada sabe Deus de que mistério e de que inimigos.
.....Essa fotografia foi feita em plena guerra, quando os tanques e os aviões de nazistas punham de joelhos a Europa inteira. Fazia bem, dava vontade de chorar, ver a cólera e a bravura do bárbaro no próprio instante em que metade do mundo, acovardada e vencida, enchia a gente de vergonha de pertencer à raça humana também.
.....Agora Manzon publica o seu álbum de imagens – este Flagrantes do Brasil, que se poderia chamar, como o livro de Paulo Prado, Retrato do Brasil.
.....Meu Deus, que grande superioridade têm as imagens sôbre as palavras! Imagens dispensam interpretações e comentários, imagens são numa coisa em si, concretas e incorruptíveis. E se as excelentes legendas de Orígenes Lessa enriquecem o álbum – a verdade é que elas não são indis-pensáveis, que palavras algumas são indispensáveis para explicar o que as imagens já dizem. Elas falam por si, e com que violência, e com que beleza! Dezenas de volumes não diriam sobre o Brasil uma parcela apenas do que elas dizem. Nem ufanismo ingênuo nem pessimismo esnobe. Apenas nós tal como somos, nus e crus, nas cidades e na floresta, no sertão, nos rios e no mar. O Rio de Janeiro na sua beleza incomparável e na sua indisfarçável miséria que sobe de morro acima e lá se exibe aos olhos de quem quiser ver. O carnaval, vítima de tanta literatura, falando desta vez a sua linguagem plástica, concentrando no preto e no branco, surpreendido nos seus momentos de maior abandono e força mágica. Muitos filhos de outras terras têm escrito sôbre o Brasil, têm procurado pintar o Brasil. Mas sempre usam de exageros quer de gentileza quer de má-vontade, sempre nos descrevem piores ou melhores do que somos, eldorado cheio de araras e de orquídeas, terra de mistérios que depois de quatrocentos e cinqüenta anos continuam ainda sendo “uma promessa”. É o “país do futuro”, do “slogan” e é a realidade de miséria, doença e desordem política.
.....Jean Manzon preferiu não falar. Deixou que seu depoimento fosse gravado pelo olho da câmera, que não mente, que é de vidro e matéria plástica e metal branco, não tem ouvidos para escutar lisonjas nem mão para propinas. É o registro mais veraz que o homem inventou, é o inimigo da mentira trabalhando com luz e papel branco.
.....E talvez agora o mundo, vendo esse nosso retrato honesto, fique nos conhecendo melhor, nos ignorando menos; talvez aqueles que nos imaginam apenas como mestiços indolentes tocadores de violão, sintam agora por nós um respeito maior, vendo como somos uma gente laboriosa, resistente, humilde, destemida e cordial. Que somos realmente um povo.

Rachel de Queiroz: escritora e jornalista cearense (17/nov./1910 - 4/nov./2003), autora, entre outros, de O Quinze, As Três Marias, Dôra, Doralina e Memorial de Maria Moura; colaboradora desde os anos 30 de jornais como Correio da Manhã, O Jornal e Diário da Tarde, além de cronista da revista O Cruzeiro; em 1977 tornou-se a primeira mulher eleita para a Academia Brasileira de Letras. Faleceu, com quase 93 anos, dormindo em sua rede, na cidade do Rio de Janeiro.