
A seguir, alguns recortes do ensaio ‘Na caverna de Platão’ de Sobre Fotografia (Cia. das Letras, 2008, 224p.):
“Fotografar é apropriar-se da coisa fotografada. Significa pôr a si mesmo em determinada relação com o mundo, semelhante ao conhecimento – e, portanto, ao poder. (...) Imagens fotografadas não parecem manifestações a respeito do mundo, mas sim pedaços dele, miniaturas da realidade que qualquer um pode fazer ou adquirir.
A fotografia tornou-se um dos principais expedientes para experimentar alguma coisa, para dar uma aparência de participação. (...) ter uma câmera transformou uma pessoa em algo ativo, um voyeur: só ele dominou a situação. (...) Tirar fotos estabeleceu uma relação voyeurística crônica com o mundo, que nivela o significado de todos os acontecimentos.
Uma foto não é apenas o resultado de um encontro entre um evento e um fotógrafo; tirar fotos é um evento em si mesmo, e dotado dos direitos mais categóricos – interferir, invadir ou ignorar, não importa o que estiver acontecendo. (...) Após o fim do evento, a foto ainda existirá, conferindo ao evento uma espécie de imortalidade (e de importância) que de outro modo ele jamais desfrutaria.
Embora a câmera seja um posto de observação, o ato de fotografar é mais do que uma observação passiva. (...) é estar em cumplicidade com o que quer que torne um tema interessante e digno de se fotografar – até mesmo, quando for esse foco de interesse, com a dor e a desgraça de outra pessoa.
Tirar uma foto é participar da mortalidade, da vulnerabilidade e da mutabilidade de outra pessoa (ou coisa). Justamente por cortar uma fatia desse momento e congelá-la, toda foto testemunha a dissolução implacável do tempo.
Fotos podem ser mais memoráveis do que imagens em movimento porque são uma nítida fatia do tempo, e não um fluxo. (...) Cada foto é um momento privilegiado, convertido em um objeto diminuto que as pessoas podem guardar e olhar outras vezes.
A fotografia dá a entender que conhecemos o mundo se o aceitamos tal como a câmera o registra. Mas isso é o contrário de compreender, que parte de não aceitar o mundo tal como ele aparenta ser. Toda possibilidade de compreensão está enraizada na capacidade de dizer não. Estritamente falando, nunca se compreende nada a partir de uma foto.
Não seria errado falar de pessoas que têm uma compulsão de fotografar: transformar a experiência em si num modo de ver. Por fim, ter uma experiência se torna idêntico a tirar dela uma foto, e participar de um evento público tende, cada vez mais, a equivaler a olhar para ele, em forma fotografada. Mallarmé, o mais lógico dos estetas do século XIX, disse que tudo no mundo existe para terminar num livro. Hoje, tudo existe para terminar numa foto.”

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