5 de novembro de 2011

Susan Sontag: sobre fotografia

Sobre Fotografia, livro da ensaísta e romancista americana Susan Sontag (1933-2004), traz seis ensaios incontornáveis a respeito do significado e da evolução da fotografia, abordando problemas, estéticos e morais, a partir da onipresença das imagens fotográficas em nosso tempo. Ganhadora do National Book Critics Circle Award de 1977 com este trabalho, Sontag dialoga nele com a filosofia e a sociologia, com a estética e a história da arte, em estilo simples e direto em que sua brilhante erudição escorre a bom deleitar o leitor.
     A seguir, alguns recortes do ensaio ‘Na caverna de Platão’ de Sobre Fotografia (Cia. das Letras, 2008, 224p.):
     “Fotografar é apropriar-se da coisa fotografada. Significa pôr a si mesmo em determinada relação com o mundo, semelhante ao conhecimento – e, portanto, ao poder. (...) Imagens fotografadas não parecem manifestações a respeito do mundo, mas sim pedaços dele, miniaturas da realidade que qualquer um pode fazer ou adquirir.
     A fotografia tornou-se um dos principais expedientes para experimentar alguma coisa, para dar uma aparência de participação. (...) ter uma câmera transformou uma pessoa em algo ativo, um voyeur: só ele dominou a situação. (...) Tirar fotos estabeleceu uma relação voyeurística crônica com o mundo, que nivela o significado de todos os acontecimentos.
     Uma foto não é apenas o resultado de um encontro entre um evento e um fotógrafo; tirar fotos é um evento em si mesmo, e dotado dos direitos mais categóricos – interferir, invadir ou ignorar, não importa o que estiver acontecendo. (...) Após o fim do evento, a foto ainda existirá, conferindo ao evento uma espécie de imortalidade (e de importância) que de outro modo ele jamais desfrutaria.
     Embora a câmera seja um posto de observação, o ato de fotografar é mais do que uma observação passiva. (...) é estar em cumplicidade com o que quer que torne um tema interessante e digno de se fotografar – até mesmo, quando for esse foco de interesse, com a dor e a desgraça de outra pessoa.
     Tirar uma foto é participar da mortalidade, da vulnerabilidade e da mutabilidade de outra pessoa (ou coisa). Justamente por cortar uma fatia desse momento e congelá-la, toda foto testemunha a dissolução implacável do tempo.
     Fotos podem ser mais memoráveis do que imagens em movimento porque são uma nítida fatia do tempo, e não um fluxo. (...) Cada foto é um momento privilegiado, convertido em um objeto diminuto que as pessoas podem guardar e olhar outras vezes.
     A fotografia dá a entender que conhecemos o mundo se o aceitamos tal como a câmera o registra. Mas isso é o contrário de compreender, que parte de não aceitar o mundo tal como ele aparenta ser. Toda possibilidade de compreensão está enraizada na capacidade de dizer não. Estritamente falando, nunca se compreende nada a partir de uma foto.
     Não seria errado falar de pessoas que têm uma compulsão de fotografar: transformar a experiência em si num modo de ver. Por fim, ter uma experiência se torna idêntico a tirar dela uma foto, e participar de um evento público tende, cada vez mais, a equivaler a olhar para ele, em forma fotografada. Mallarmé, o mais lógico dos estetas do século XIX, disse que tudo no mundo existe para terminar num livro. Hoje, tudo existe para terminar numa foto.”
“Noiva janela” (Veneza, 2011), de Oli de Castro; “Monsieur Rouge” (Versailles, 2011), de Eduardo Silveira

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